Em dia de descanso do período pascal sabe bem ouvir histórias. Esta decorreu há cerca de
sessenta anos atrás. O protagonista, que de pretenso arruaceiro passou a guarda-fiscal e de
guarda a tasqueiro, é pródigo em pormenores. Grande parte escapou-me. Apenas retenho os
mais relevantes da narrativa.
– Sabe, ó advogado, quem mais mente em tribunal, é quem mais se safa!
Sentencia, sem me dar hipótese de retorquir.
– Estes tremoços são bons pró colesterol. Ainda estão meio amargos.
Vai dizendo, encostado ao balcão do Chop, enquanto manda vir três finos. Eu e o Victor Pop
agradecemos.
– Já tenho oitenta anos, sabe?
Não parece. Aparenta menos dez. Preserva a boa figura de outrora
– Agarrei na piçarra e atirei-lha à cabeça. A sorte dele é que a pedra era mole e esmigalhou-se.
Mas, a cabeça botou sangue! Fomos todos pró quartel da guarda. Foi o Riço que nos trouxe no
táxi. Quem pagou, não sei. Eu era o mais novo.
– E mentiu no tribunal? – indaguei…
– Claro! Ia dizer que fui eu? Ai não! Neguei tudo! E não é que o juiz acreditou em mim? Eu era o
mais novo, já lhe disse. Aquilo, sabe… eram questões de namoricos. Já vínhamos picados de
um baile da festa do Variz. Jogámos todos à pedrada. Eu tanto dei, como apanhei. No tribunal
ainda me fiz de vítima. Mostrei uma ferida no braço. Até fui ao médico e tudo.
Tinha levado uma calhoada, mas o de lá não ficou melhor! Os outros já tinham perto de trinta.
Eu era um garoto! O juiz teve pena de mim e ainda me usou como exemplo e disse: “ponham os olhos
nele! Tão novo e a falar a verdade!”
Lá tive que dormir uma noite na cadeia velha. E paguei cem escudos de caução para não ficar
preso mais tempo! Naquela altura, era dinheiro! A minha sorte é que um dos praças da GNR
era meu tio. E dormi na tarimba dele. Foi um fartote, porque naquela noite também lá
estavam presas umas putas. Chamavam-lhe as “marinheiras”. Eram ciganas. Mas eram boas,
caraças! Deixou-me ir espreitar à cela delas! Foi o meu prémio! Só por isso, valeu a pena
passar a noite na cadeia!
Fonte: (“O Alferes Maçarico e outras histórias” – Antero Neto, Editora Lema d’Origem)